Blog Marco Naccarato: Probabilidade

Galileu Galilei, sim, ele mesmo, matemático, físico, astrônomo e filósofo, além de todo legado deixado para a humanidade, solucionou em seu “Considerações sobre o Jogo de Dados” um problema simples, mas curioso. No século XVII alguns jogadores questionaram Galilei sobre o desequilíbrio dos resultados 9 e 10 no lançamento de três dados, visto que as combinações possíveis para cada um era de seis opções:

Resultado 9: 126, 135, 144, 225, 234 e 333
Resultado 10: 136, 145, 226, 235, 244 e 334

Imagem de: James Steidl/Shutterstock

Por força da prática, os jogadores tinham percebido que a soma 10 ocorria mais vezes que a soma 9, embora as combinações aparentemente fossem as mesmas. Isso parecia um problema sem solução, fazendo com que a prática desafiasse a lógica, pois quanto mais eles jogavam, mais ficava aparente a vantagem da soma 10. Galileu notou que havia mais inversões, ou modos diferentes de se obter cada uma dessas combinações, verificando que o total de combinações para a soma 10 era de 27, enquanto que para soma 9 era de 25 inversões. Por exemplo, para se obter a somatória 10 com as faces 1,3 e 6, havia seis possibilidades (136, 163, 316, 361, 613 e 631), e não apenas uma combinação, como imaginavam os jogadores. Clicando aqui, um link para um apêndice que explica bem o problema.

Mais uma vez, uma solução contra-intuitiva, tema explorado no meu último artigo aqui no PD. Situações onde a lógica aparente não reflete a realidade são mais frequentes do que se imagina, e são um dos alicerces do chamado deception game, ferramenta fundamental do poker, que consiste basicamente em induzir o adversário ao erro.

Porém o foco deste artigo é outro. Note que mesmo esses jogadores do século XVII tendo prática e conhecimento com o jogo de dados, tinham como certo e lógico o equilíbrio de resultados, o que não estava permitindo que eles chegassem à um raciocínio mais apurado, pois estavam condicionados em seu entendimento. No poker, a curva de aprendizado, talvez como em qualquer atividade humana, é bem acentuada no começo, porém constantemente os jogadores alcançam um ponto onde o conhecimento que têm sobre o jogo e as relações que conseguem estabelecer parecem chegar à um teto razoável de entendimento, e é aí que reside o problema, quando a capacidade de análise no poker fica condicionada.

Invariavelmente isso ocorre quando o jogador compreende a parte matemática do jogo, e acaba supervalorizando ou compreendendo de forma equivocada os dados de probabilidade de vitória numa mão. Você já deve ter visto diversos exemplos disso, quando, mesmo tendo uma chance de vitória bem maior que o adversário, a combinação de cartas no bordo não ajuda, e o oponente que nem mesmo tem conhecimento de teoria do poker ganha a mão.

Bem, você já deve ter ficado muito puto da cara com isso, e até se sentido injustiçado, mas afinal o ponto principal dessa discussão é exatamente esse, pois o fato de estar favorito numa mão não significa que você vai vencê-la. A probabilidade é somente uma representação teórica que demonstra a incidência de determinada ocorrência. Ela não faz “justiça” e nem te faz merecedor de vencer uma mão, simples assim. Fato é que muito jogador, pautado no jogo lógico e matemático não se conforma com as derrotas ocasionadas por situações onde o adversário está underdog e acaba vencendo. Se basear apenas e exclusivamente na matemática dá uma falsa noção de domínio do jogo e acaba por pautar suas conclusões acerca de como se deve jogar, sem levar em consideração os aspectos emocionais e situacionais presentes a todo momento em cada decisão e mão jogada.

Imagem de: James Steidl/Shutterstock

Chega de mimimi, ou você escolhe usar a probabilidade à seu favor e arrisca enfiar ficha no jogador que está buscando o flush até o river, ou você controla o pote para perder menos se ele acertar, pois sabe como é o padrão de jogo dele. O curioso é ver o jogador matemático/lógico reclamar da baralhada num estado febril de descontrole emocional, sendo que supostamente seu ponto forte seria exatamente ter controle emocional. Não faz sentido aplicar uma abordagem matemática à jogadores não teóricos e gamblers, e se você frequentemente compromete grande parte, senão todo, o seu stack numa mão porque tem  um bom par ou similar, é bom observar seu jogo e tentar diversas maneiras diferentes de jogar essa mão, identificando onde estão seus leaks e buscando um método de contra-jogo para esse tipo de adversário.

Sem perceber os próprios erros, muitos jogadores de poker procuram um motivo externo para dar vazão as derrotas, creditando ao azar ou a suposta forma errada que o adversário jogou, o amargo resultado negativo. Mas, não se preocupe, isso é um recurso de defesa natural do ser humano, só não vale ficar nessa sempre, pois ficar puto é normal, mas experimentar o poker carregando esse entendimento, só traz prejuízos a você mesmo, e vai ocasionar uma estagnada no seu método de jogo, deixando-o condicionado. Se você perdeu por azar, mas jogou bem, não há motivo aparente para se preocupar, embora muitas vezes seja uma merda e determinada oportunidade seja única (digamos que você está na bolha da mesa final do ME da WSOP), elevar e enaltecer a falta de sorte, só significa que sua visão é similar a compreensão do poker como jogo de azar.

Jogadores profissionais e os que estudam o jogo, trabalham sua expectativa de ganho num período de tempo suficiente para ter uma amostragem apurada, e poderem analisar suas falhas e consertá-las. Pergunte a qualquer bom jogador de poker se ele fica verificando, ou sabe a frequência de vezes que seu par de bicudos foi quebrado pra justificar seu tremendo azar? Aposto que ele está tentando ver uma melhor forma de jogar AA do que ficar preocupado com isso.

Concluindo, deixe um pouco de lado a justiça aparente das probabilidades, e comece a trabalhar a cabeça pra aguentar o tranco quando a baralhada vier, e aprenda a perder, pois isso vai te dar subsídios para não tiltar no meio do caminho.

Marco Naccarato é empresário, designer, jogador de poker e autor do livro Floating in Vegas, que trata do small stakes nos cassinos de Las Vegas (à venda no site www.floatinginvegas.com.br). Naccarato estreou em fevereiro sua coluna no site Aprendendo Poker, de Leo Bello, e pode ser encontrado no Fórum PD com o nickname Carcamano, e a cada 15 dias na sessão de artigos do portal PokerDicas. Para entrar em contato com o autor, mande um email para [email protected].

 

 

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4 COMENTÁRIOS

  1. Grande Marco! Ótimo post!

    Cara, o poker é um jogo dos mais justo. Quando se tem 95% de chance de ganhar e acaba ganhando a parada, isto poderia ser considerado injusto, pois ganhamos 100% ao invés de 95%. Mas ninguém lembra disso, que precisa devolver uma parte do que ganhou injustamente… 😀

    Outro aspecto que acho muito interessante é que o poker é a melhor escola para aprender a perder. Saber perder, sem ser piegas ou demagogo, é o caminho o desenvolvimento como pessoa e jogador, que a verdadeiro vitória no longo prazo.

    Quando vier a Floripa, vamos debater esses assuntos numa mesa (de bar ou de jogo)!

    Vlw! 😀

    • Valeu Petrillo! Muito obrigado pelo retorno.
      Queria me aprofundar mais, mas achei que ficaria tedioso. Melhor escrever um livro! eheheh

      E concordo contigo, poker é uma baita escola pra se aprender a perder. Muitos jogadores amigos meus ganharam humildade na vida e no jogo qdo perder se tornou algo que podiam usar pra aprender mais.

      E cara, já passei muitos reveillons aí em Floripa! Cidade fantástica.. quem sabe um dia tomamos umas! Abraço!

  2. Parabéns pelo seu artigo Marco ! O modo como analisa as situações e como as explica são essenciais para o desenvolvimento, não só do jogador, como da pessoa. Admiro seu posicionamento que, conforme ressaltado pelo amigo Petrillo, transita por outras áreas, fora do jogo em sí, como a própria evolução pessoal na forma de ver e analisar o mundo a sua volta. Grande abraço e continue com esses ótimos artigos !

    • Muitíssimo obrigado, Nakamura!
      Pensar o poker é mais efetivo, gera conceitos e ideias, tal qual na vida. Assim não ficamos presos aos métodos, e não carregamos certezas que nos afundam… a dúvida é uma benção.

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