Recentemente ganhei um torneio de poker. Isso me fez sentir bem.
Me fez sentir bem porque eu não ganhava um torneio há quase dois anos. Provavelmente joguei menos de 200 torneios nesse tempo, muitos dos quais tinham milhares de jogadores, então não é nada surpreendente não ter ganho nenhum. Mas tente dizer isso às suas dúvidas sobre seu jogo e à sua autoridade no assunto. Acredite, é muito mais fácil apontar para uma vitória do que para as leis da estatística.
Me fez sentir bem porque foi algo grande, um dos principais eventos de uma sala pequena que não é conhecida pelos seus torneios. Me fez sentir bem porque muitas pessoas estavam assistindo a mesa final, e eles bateram palmas quando ganhei. E, desde então, muitas pessoas que não conheço, junto com meus oponentes regulares, têm me dado parabéns.
Me fez sentir bem porque eu dominei. Eu conseguia apontar de forma concreta para alguns erros que meus oponentes cometiam, e com isso fiz alguns ajustes para tomar vantagem desses erros, e os ajustes surtiram efeito. Me fez sentir bem porque sinto que mereci ganhar.
Me fez sentir bem ganhar um troféu e uma nota preta. Não era tanto dinheiro assim, mas tinha bastante zeros. O caixa do banco me parabenizou quando depositei tudo.
Me fez sentir bem ir longe em um torneio. Foi emocionante assistir o stack de outras pessoas decair e desaparecer, enquanto o meu só aumentava. Foi emocionante ganhar potes onde o valor da equidade em jogo era realmente significativo para a minha vida no poker e para meu bankroll. Foi até emocionante, de um modo perverso até, perder alguns potes.
Muitas coisas me fizeram sentir bem, e muitas pessoas têm perguntado se planejo jogar mais torneios. Tem uma parte de mim que quer jogar, mas minha resposta é “não”, e vou seguir respondendo dessa forma. Já passei por isso antes.
É ótimo ganhar um torneio, mas isso não acontece frequentemente. Perder, não apenas um torneio, mas dezenas seguidos, com quase nenhuma recompensa, acontece muito mais frequentemente. Isso machuca. Para parafrasear Tommy Angelo, a relação entre prazer e dor que os torneios oferecem é de deixar qualquer um pirado.
Para piorar as coisas, o que me faz gostar de jogar torneios não é sempre algo bom. Por falta de uma palavra melhor, torneios não me parecem ser “saudáveis”.
Meus jogos de escolha hoje são os deep stack. Mais frequentemente, jogo Cash Games $5/$10 com buy-in de $2.500. Jogos cash game deep stack apresentam enigmas interessantes de se resolver. Eles me dão um prazer similar ao que as pessoas sentem resolvendo palavras cruzadas. É intelectualmente estimulante e divertido, e mesmo noites de perdas financeiras não são suficientes para me causar dor. Eu ganho mais do que perco, mas me divirto de qualquer forma.
Eu raramente me divirto jogando, apenas quando estou ganhando, o que é raro. Na maioria das vezes eu apenas estou procurando por boas oportunidades, o que faz parte de jogos deep. Grande parte da emoção vem do fato de que essas oportunidades raramente aparecem, quando aparecem envolvem potes onde a virada de uma carta faz a diferença para o meu bankroll, e isso pode fazer eu me sentir bem ou mal. Isso, a meu ver, é muito similar a apostas arriscadas demais, que no poker devemos evitar.
Não estou dizendo que torneios não apresentem enigmas interessantes, mas eles são poucos e distantes um do outro. Quando você está jogando com 9 ou 10 pessoas na mesa, com antes e com stacks na casa dos 30 big blinds, a maioria das suas decisões são triviais e automáticas. Mesmo quando suas decisões fazem muita diferença, essa diferença tende a ser grande não porque os valores esperados das suas opções são imensamente diferentes quando medidos em big blinds, mas porque um único big blind tende a representar muita equidade de dinheiro real. Em outras palavras, é a magnitude dos stacks que dá peso às suas decisões. Ou seja, é mesmo uma aposta arriscada.
Mas são apostas arriscadas com uma certa vantagem, não me entenda errado. Alguns torneios realmente representam ótimas oportunidades de desenvolvimento para seu jogo, e são justamente esses que tento jogar, e apenas esses. Por exemplo, se eu tenho 12 big blinds e todos da mesa desistem da mão até chegar a minha vez, e eu estiver com A5s no cut-off, minha decisão de ir all-in é trivial. Colocar A5s nesse spot é mais interessante do que colocar 72o. De qualquer forma, não tem muito o que pensar.
Porém, a lucratividade do shove varia de pouco a muito, dependendo das decisões de fold dos jogadores a seguir. Então não é que as minhas decisões não têm valor, elas apenas tendem a não ser interessantes.
Preciso me lembrar de tudo isso pois, após vencer um torneio, fico com um desejo incontrolável e irracional de jogar mais e mais. É o clássico viés da eficácia, o torneio que você ganha é o torneio que tudo dá certo para você. Às vezes, nem parece ser difícil. Você recebe AA e aumenta, então alguém vai all-in e você paga, ele tem KK e você vence. Então você recebe AK e aumenta de novo, outra pessoa vai all-in e dessa vez você bate um par de 9.
Provavelmente você terá que tomar sim algumas decisões genuinamente difíceis ao longo do caminho, e se você não for cuidadoso, ficará convencido de que aquelas decisões são o motivo de você ter vencido. Parece que tudo vai se repetir: apenas tome as decisões certas novamente da próxima vez e não há razão para você não ganhar de novo! É fácil esquecer que às vezes é você que está com KK e enfrenta pela frente AA, ou que é você que perde o coin flip, ou que às vezes KK podem bater AA.
Eu comecei minha carreira de poker como um jogador exclusivo de torneios, e muitos anos atrás tomei a decisão consciente de mudar para cash games. Essa mudança é um processo contínuo, e tenho sido bem-sucedido em resistir a torneios que eu não acho que têm um valor para meu bankroll e meu jogo.
O ponto em que quero chegar é que imediatamente após vencer um torneio é o pior momento para tomar a decisão de jogar mais deles. Você provavelmente decidirá baseando-se em todas as razões erradas. Você deve tomar uma decisão consciente sobre quantos e quais deles você quer jogar, e deve tomar essa decisão em um momento que conseguir toma-la de forma consciente e sem deixar as emoções te influenciarem. (Dica: o começo de um ano é a hora perfeita para essas decisões de planejamento).
Tome sua decisão, seja consciente das razões que o levaram a ela e siga em frente. Perder um pote com Ás e Rei não deveria mudar a forma como você vai jogar a próxima vez que os receber, e vencer um torneio não deveria mudar a forma como suas decisões sobre jogar ou não tais torneios são tomadas.
Autor: Andrew Brokos
Traduzido e adaptado do original: Don’t Gamble on Multi-Table Tournaments
