No poker, suas apostas contam uma história. Porém, para contar uma boa história, uma que seja consistente e que faça sentido, é necessário planejar. Mesmo jogadores avançados ocasionalmente atiram uma aposta sem pensar se ela faz sentido ou não. Esse conceito a que me refiro se chama congruência de aposta, que diz basicamente se sua aposta segue um fluxo lógico e faz sentido, de acordo com suas ações durante a mão. Você precisa contar a história certa e na hora certa.
Para ser efetivo ao contar uma história, ou seja, para conseguir planejar com antecedência os diferentes resultados possíveis de uma jogada, é preciso uma boa quantidade de pensamento crítico e de habilidade. Porém, fazer isso corretamente pode ser uma das melhores ferramentas de um bom jogador de poker.
Além disso, se você conseguir perceber essas inconsistências nos padrões de apostas dos outros jogadores, você conseguirá identificar blefes e armadilhas de forma muito mais eficaz. Se diz muito no poker que precisamos jogar de forma não previsível, porém, mesmo esse estilo de jogo precisa fazer algum sentido. Isso deve acontecer de forma deliberada e consciente, e não como resultado de puro capricho.
Exemplo 1
Para se ter uma ideia desse princípio, vamos olhar para algumas apostas que são evidentemente incongruentes, e que vemos a todo momento nas mesas.
Nosso vilão aumenta de posição inicial, um jogador paga de LP e você paga do botão com XX. O flop vem :Qs :3d :7c e o agressor aplica uma C-bet. O segundo vilão paga e você também paga.
O turn vem :7h . O vilão imediatamente atira uma aposta alta e o jogador à nossa direita desiste. Nesse momento estamos tranquilos para estar à frente com praticamente qualquer combinação de cartas. Por que? As apostas do vilão não fazem sentido para a maioria das mãos possíveis.
Ele está representando uma trinca de 7. Porém, se ele tivesse essa mão, é pouco provável que iria apostar tão alto contra dois oponentes, sendo que não há draws no board. Além disso, existem poucas mãos com 7 que ele jogaria de posições iniciais. Talvez cartas conectadas do mesmo naipe, mas mesmo assim as chances são baixas. Se ele estivesse segurando uma dama ou par de 3, provavelmente jogaria de forma mais cautelosa ou aplicando slow play.
Esse tipo de blefe é fácil de ser pego, e é um que vemos com frequência em limites baixos.
Exemplo 2
No exemplo anterior, olhamos para um blefe muito amador, que é relativamente simples de se contra-atacar. Porém, um blefe de jogadores fortes é mais difícil de lidar. Encarar uma aposta grande no river, vinda de um jogador muito forte, é um dos momentos mais difíceis e frustrantes no poker.
Imagine que nosso oponente forte e tight abra de posição inicial, e nós, então, aplicamos uma 3-bet do small blind. Ele, sozinho, paga. O flop vem :Js :Ts :7d . Nós tomamos a iniciativa e apostamos pouco menos de metade do pote, o vilão paga. O turn vem :7c e ambos jogadores dão check. O river vem :4s, nós apostamos e o vilão entra em all-in. Ele está representando o flush, mesmo que ele não se encaixe na história da mão.
Nós sabemos que seu range para jogar de posições iniciais e dar um flat call numa 3-bet o deixa com mãos fortes de naipes conectados, como AK, AQ ou KQ, ou pares grandes, com pares de 7 sendo os menores. Então, se sabemos que ele acertou o flush, só pode ser com duas cartas altas. Isso significa que no flop ele tinha um imenso número de outs que melhorariam sua mão. Sabendo disso, ao invés de pagar, e potencialmente ter uma difícil decisão para tomar em um turn ruim, sua jogada mais lógica seria ter aumentado no flop. Sabemos que ele é um jogador forte, que um aumento teria bons odds de acordo com o dinheiro no pote, teria lhe dado mais informações sobre nossa mão e até mesmo nos forçado a desistir.
Sua história não se encaixa. Porém, para chegar à essa conclusão, é necessária uma grande quantidade de pensamento crítico. Esse é o tipo de pensamento que um bom jogador precisa usar em todas as mãos se quiser estar entre os melhores.
Essa jogada sendo ou não um semi-blefe, nós podemos, com certa segurança, eliminar o flush, permitindo que prossigamos na análise, pensando em mãos como trincas, sequências, ou talvez até mesmo pares.
Exemplo 3
Vamos olhar para um uso mais avançado desse conceito, onde possamos aplica-lo às nossas próprias apostas.
Imagine que você está em uma situação onde tem o nuts, a melhor mão possível, e você quer tirar tanto dinheiro quanto puder dos seus adversários. Nós podemos usar esse conceito para fazer uma mão forte se parecer com um blefe. Nosso vilão faz um aumento padrão do meio da mesa e você, com :Jh :Jd , aplica uma 3-bet do small blind. O flop vem :Js :6d :3c . Perfeito! Você tem a melhor mão possível e sabe que seu oponente tem um range amplo de mãos, algo como qualquer combinação de cartas altas, um par médio ou mesmo suited connectors.
Sendo o primeiro a agir, sua jogada aqui é crítica. A maioria dos jogadores, fortes ou fracos, imediatamente optaria pelo slow play e daria check no flop, torcendo por uma aposta do vilão. Porém, considere toda a narrativa que você está prestes a contar, do começo ao fim. Dar slow play é sim uma boa jogada, porém, deveria ser feita no turn, de modo que não se pareça com um slow play. Se existe a chance do nosso vilão pagar uma C-bet, então uma C-bet é a escolha correta. Além disso, uma c-bet modesta será paga pela maioria das mãos do range do nosso oponente.
O problema com dar check no flop é que você acaba por se colocar numa posição perigosa para o turn, que pode ter duas consequências possíveis: se um às, rei ou dama aparecerem no turn e você apostar, estará representando essa mão. Esse resultado é bom, contanto que nosso oponente também acerte alguma coisa, caso contrário dará fold e não extrairemos mais dinheiro. Se o segundo valete vier e você apostar, estará entregando a jogada como um slow play, deixando qualquer jogador decente desconfiado. De forma alternativa, você pode dar check no turn e apostar no river. Porém, não aposte muito, pois pode entregar seu slow play. O lado negativo é que dessa forma também não extrairá muito dinheiro no longo prazo.
Suponha que você aplique uma pequena C-bet no flop e o vilão pague. Agora, quando você der check no turn, independentemente do que vier, vai parecer que você errou a mão. Você estará representando fraqueza de forma autêntica, e sua aposta no river, independentemente do que vier, parecerá uma fraca tentativa de roubo ou blefe.
Esse nível de pensamento deveria ser empregado tão frequentemente quanto possível. Que história estou contando aqui? Ela é plausível? Eu quero que ela seja plausível? Tente planejar suas histórias do começo, e tenha finais alternativos preparados para quaisquer cartas que possam vir durante a mão.
Artigo traduzido e adaptado do original: Understanding Betting Congruence
Muito útil esse texto. Embora seja um hábito difícil de pegar, vale muito a pena o esforço.
Vou me concentrar nisso nos próximos freerolls.
Obrigado.
Opa, show de bola. Faça isso sim, Erick.
Boa sorte nas mesas! Abs